Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI)

Penha Frassi

5/8/20252 min read

O Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI), anteriormente denominado Transtorno de Personalidade Múltipla, é uma condição clínica complexa e frequentemente mal compreendida dentro da psicologia e da psiquiatria. Ele se caracteriza pela existência de duas ou mais identidades ou estados de personalidade distintos dentro de um mesmo indivíduo, os quais assumem o controle do comportamento de maneira recorrente. Cada uma dessas identidades, frequentemente chamadas de "alters", pode apresentar características únicas, incluindo padrões de pensamento, memórias, afetos, discursos, preferências, comportamentos e até habilidades cognitivas diferentes. Essas identidades podem ser tão distintas que, por vezes, uma pessoa apresenta alterações perceptíveis na postura corporal, no tom de voz ou em outros aspectos físicos e comportamentais ao transitar de uma personalidade para outra.

A etiologia do TDI está fortemente associada a experiências traumáticas intensas, especialmente durante os primeiros anos de vida. Estudos clínicos indicam que a maioria dos indivíduos diagnosticados com TDI foi exposta, na infância, a abuso físico, sexual, emocional ou negligência severa. A dissociação, nesse contexto, é compreendida como um mecanismo de defesa psíquico: diante de traumas insuportáveis, a mente fragmenta a consciência para permitir que a dor seja "compartimentalizada", evitando que o trauma comprometa a integridade do ego como um todo. Ao longo do tempo, essas compartimentalizações tornam-se identidades relativamente autônomas.

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5, além da presença de múltiplas identidades, o diagnóstico de TDI exige que o paciente apresente lacunas recorrentes de memória, as quais não podem ser explicadas por esquecimento comum. Essas falhas podem se manifestar na incapacidade de lembrar eventos do cotidiano, informações pessoais importantes ou experiências traumáticas. Além disso, essas interrupções podem interferir significativamente no funcionamento social, ocupacional e pessoal do indivíduo. É importante destacar que os sintomas não são atribuíveis aos efeitos fisiológicos de substâncias (como drogas ou álcool) nem a condições médicas gerais.

O tratamento do Transtorno Dissociativo de Identidade é geralmente de longo prazo e requer uma abordagem terapêutica altamente especializada. A psicoterapia é a principal forma de intervenção, com destaque para a Terapia Focada no Trauma, a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) adaptada para dissociação, e, em alguns casos, abordagens psicodinâmicas. O tratamento visa não apenas reduzir os sintomas dissociativos, mas também promover a integração ou colaboração funcional entre as identidades, aumentar a capacidade de regulação emocional e desenvolver estratégias saudáveis de enfrentamento. Em determinados casos, o uso de medicamentos pode ser indicado para tratar comorbidades comuns, como depressão, ansiedade ou transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).

É fundamental que o tratamento seja realizado por profissionais capacitados e experientes em trauma complexo, visto que uma abordagem inadequada pode agravar os sintomas dissociativos. O vínculo terapêutico, baseado na confiança e na segurança, é um dos elementos mais importantes do processo, pois oferece ao paciente um espaço seguro para explorar conteúdos dolorosos e fragmentados de sua história.

Apesar de ainda enfrentar estigma e desinformação, o TDI tem recebido crescente atenção na literatura científica, especialmente no campo da psicotraumatologia. Pesquisas neurobiológicas, inclusive com neuroimagem, vêm demonstrando diferenças na atividade cerebral entre diferentes identidades de uma mesma pessoa, fornecendo evidências objetivas da dissociação. Esse avanço tem contribuído para a validação clínica do transtorno, bem como para o desenvolvimento de intervenções mais eficazes e humanizadas.

Portanto, o Transtorno Dissociativo de Identidade deve ser compreendido como uma manifestação extrema e complexa da capacidade humana de adaptação frente a situações de sofrimento intolerável. Reconhecer, diagnosticar e tratar adequadamente o TDI é essencial não apenas para o alívio do sofrimento psíquico de quem convive com o transtorno, mas também para promover uma maior compreensão social sobre os impactos duradouros do trauma na formação da identidade.

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